domingo, 23 de março de 2008

Eles

_ Prepara a mesa Carmélia, teremos mais uma boca essa noite.
Ela, a mulher, levanta apressadamente, enquanto ele, o marido, atendia a porta com uma voz abafada. Ao abrir o armário, aproveitou o movimento para olhar pra trás e observar o novo convidado, mas só pode notar o chapéu amarrotado que segurava na mão direita, e o som de suas botas que ecoavam nos cômodos vazios da casa velha.
Em silêncio e com a cabeça baixa, segue decididamente para o fogão à lenha.
Seu corpo cansado parece já não agüentar o peso da vida em suas costas que ardem, ardem como o fogo que queima debaixo da panela de feijão.
Agora, virando pra mesa já pode ver definidamente a face do homem alto e pálido que se esconde atrás da barba negra.
Ele, o marido, já abduzido pela conversa nem a vê chegando com o prato e colocando sobre a mesa que balança em função de um pé mais curto que os outros.
Ela, a mesa, por mais dura que possa parecer, esconde no seu íntimo, toda a história da casa. Cada veio da madeira escura, incrustada de gordura e tempo, conta à maneira da casa as palavras pesadas que saiam das bocas que agora comiam a sopa que se confundia com a fumaça espessa.
_ Creio não haver mais tempo, dizia ele, o convidado, enquanto limpava a boca (ou pelo menos o que se alcançava dela), vocês já foram longe demais. De agora em diante permanecerei em tempo integral aqui nessa casa.
E a sopa ia saindo do prato quente e se dirigindo pra os dentes amarelos dos dois, o marido e o convidado.
Na luz trêmula da lenha, ela, a mulher, ainda teve tempo de ver as últimas colheradas e as cabeças caindo sobres os pratos, e levando mais uma história para a velha mesa que parecia sorrir.
Com ar sereno, pegou o chapéu amarrotado, abriu a porta e nunca mais foi vista na casa, onde agora ele, o convidado, passava tempo integral.

sábado, 15 de março de 2008

Pequeno arrebatamento

Seu sorriso branco deixa meu sábado mais colorido.
Olho pela janela e é por ela que vejo o rascunho do teu beijo.
Sente-se, vamos discutir futilidades e contar como foi a semana. O tempo vai indo, se arrasta e passa.
Quando vejo a profundidade dos teus olhos, sinto minha fragilidade. Vou indo, me arrasto e passo.
Mas logo vem o teu dono e desperto do meu sono, e fico de longe a admirar você que vai indo, se arrasta e passa.



Fotografia: Darlan Costa



"Onde a brasa mora
E devora o breu
Como a chuva molha
O que se escondeu"

sexta-feira, 7 de março de 2008

Digestão mental


Hoje estou querendo escrever de uma maneira diferente, de uma maneira que não pareça eu. Hoje estou querendo escrever de um jeito que as palavras não me pertençam, mas a sede eu não posso deixar que seja outra. A vontade de navegar no oceano da razão é permanente e intransferível. Hoje preciso sentir o sabor da digestão mental, quero saber o preço daquilo que é comum e ao mesmo tempo tão atemporal, divino e gracioso. Quero não mais depender de ser ou não social, comunitário, depravado. A comunicação verbal é gritante até mesmo quando as palavras se eximem de coesão. Uma coisa estranha que gira, roda, vira. Vira mundo, vira lata, lateja na artéria. Mórbida, insana ela pulsa e a repulsa me atrai e me trás vontade de escrever, mas hoje estou querendo escrever de uma maneira diferente, de uma maneira que não pareça eu. Hoje usarei meu pseudônimo.




quinta-feira, 6 de março de 2008

Dia das mulheres

Elas dançam, dançam de acordo com a música que ávida toca. Às vezes é um samba, com suas batidas ritmadas e marcada pelo som das alegrias cotidianas, outras horas, é uma melodia triste e melancólica, e nessa hora uma se apóia na outra. Mutuamente elas vivem, mutuamente elas dançam e mutuamente elas falam deles.

A primeira é forte, se empenha em mostrar seu lado de guerreira, mas guarda no fundo, bem escondidinho, um coração que apanha mais do que bate. E ela ri. Ela ri e diz que sorte no jogo é azar no amor, mal sabe ela que o amor nada mais é que um jogo de cartas marcadas. Ela joga.

A segunda sorri altiva e singela, mostra sua amabilidade e seu jeito de ser nas pequenas linhas de seu rosto. Ela paira no ar como uma pluma leve a oscilar como vento. Ela sobe e acho que está indo em direção ao céu azul ou ao sol que brilha soberano – assim como ela.

A terceira diz que não é ela, diz que espera, mas não sabe o que. Ela é alta e lá de cima deveria ver como as coisas funcionam aqui em baixo. Ela sussurra. Diz que o espera e ele a faz se perder em seus pensamentos, e aí ela chora, não pelos olhos, mas pela alma. Chora e deixa escapar sua fragilidade.

Elas dançam. Elas vivem. Elas jogam e flutuam e choram. Elas amam, pois são mulheres.

Feliz dia das mulheres

Eliane, Patrícia e Mayra