Que nem vejo em minha frente
Nada que me dê prazer
Casinha Branca
Maria Bethânia
Essa dorzinha me incomoda.
Esse incômodo que vem junto com o mês de abril me abriu. Quero fechar, mas esse tilintar ecoa na minha mente. Beeeeeeeeeeeen. Nada me prende, ninguém me segura. Sigo em frente, atravesso a rua.
A pequena mulher sentada ao meu lado chora ou recorda, não sei ao certo.
_ O que lhe aflige, senhora? Pergunta a branquela simpática.
Ah, sim. Uma cirurgia. Que desagradável. Mas a branquela simpática a afaga, retira a preocupação de seu rosto, o vermelho de seus olhos, e se vai. E se vão. E nos vamos.
Agora sim, mais perto de casa e do fim desse sino que oscila no meu córtex. Mas não a paz, ainda não.
No lugar da pequena mulher, o menino magrela. No lugar da branquela simpática, cabelos negros como a noite sem luzeiros. Sobre as rodas eles giram a conversa, falam do cheque sem fundo, falam do dinheiro a mais na conta do outro. Falha no sistema. Dor nas têmporas. O gerente liga, o médico não chega, as rodas não chegam e essa conversa que se repete, e se repete interminavelmente como o mês de abril e como essa dorzinha que me incomoda.
Depois de tanto tempo já não recordo se o ponteiro das horas é o grande ou o pequeno. Pra dizer a verdade, todos os dois parecem minúsculos, inversamente proporcionais à essa tontura. Sim, está rodando. Os ponteiros, as rodas, o mundo.
Acho que cheguei, ou pelo menos parei.
Acho que me lembro, agora, com uma mão na caneta e outra na xícara de café, aquela ladainha me vem como uma goma de mascar que perde o gosto e não a forma, mas com dor de cabeça eu não masco chicletes.
Um comentário:
Quando li logo no início do texto a letra de Casinha Branca imediatamente coloquei aqui pra tocar, e comecei ler o texto. Não sei se me perdi na leitura ou um sei lá o que aconteceu, só sei que no ponto final notei um nó na garganta... e Bethânia ao fundo ecoando notas pedindo por uma casinha branca de varanda, com quintal e uma janela para ver o sol nascer...
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